sábado, 18 de agosto de 2007

Take a look around ( Pisco, Ica e Arequipa)

Arequipa




17 / 08 / 07




16/08/07












Vicente



Reserva nacional de Paracas

Grupo do tour



Rocha "La catedral" . Ja nao existe


Silvio, o guia




Narciso





"La maternidad"


"Quem canta seus males espanta" ?



Pescador





ups

Poses



Vista do terraco - Pisco

Vista do terraco II


Transito em Pisco
Maresia em Paracas

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Viver para conta la

Quando as seis da manha subi ao terraço do hostel em Pisco para tomar o pequeno almoco logo me apercebi que as imagens que tinha visto no dia anterior nao eram raras. O urbanismo no Peru, a excepcao do centro das cidades e das vilas e de alguns bairros mais arranjados, faz lembrar uma favela. As ruas de terra em que po se levanta com o passar do vento ou com o pisar das pessoas, os edificios que quase sempre se encontram por acabar, com vigas a sair dos telhados e paredes em tons de tijoleira, a propria electrificacao das ruas e a maneira dessarranjada como os cabos cabos se suspendem no ar e a limpeza descuidada das ruas, com montes de entulho aqui e ali, fazem com que o cenario com que nos deparamos nos faca lembrar um bairro de lata. Acontece que mesmo quando o urbanismo e assim no Peru, nem sempre se tratam de bairros pobres. Muitas das vezes estes bairros com ares de favela tem supermercados, lojas de todos os tipos e uma vida como a que desenrola nos bairros aos quais os nossos olhos estao mais habituados. Isto faz com que deixemo nos de impressionar de cada vez que vemos este tipo de bairros.


Eram sete da manha quando o autocarro da agencia que organiza o tour chegou ao hostel e me levou ate Paracas. Encontrei em Paracas uma simpatica vila de pescadores e uma maresia que me fez lembrar Portugal e foi tambem ai que apanhei o barco que nos levou ate a Isllas Ballestas. Passei o dia com tres catalaes (o Francisco, o David e o Josep Maria), com um esloveno e com o guia, um peruano chamado Silvio que viveu muitos anos na Venezuela. Estava separado da familia ha 4 anos porque com as politicas de Hugo Chavez foi obrigado a deixar a Venezuela. A sua familia mudou se entao para o Canada visto que a mulher de Silvio é Canadiana mas ele ficou uns tempos na Venezuela a tratar de desfazer se de negocios e conseguir recuperar algum dinheiro. Quando finalmente estava pronto para se juntar a famiila no Canada as leis de emigracao foram alteradas o que acabou por sentenciar que vivesse ha 4 anos sozinho no Peru. Almocei com todos eles num restaurante na reserva de Paracas onde comemos um peixe a la plancha, bebemos cervejas e terminamos com um copo de Pisco puro que por alguns segundos me ardeu a garganta. Conversamos muito e deles me viria a despedir as 4 da tarde, altura em que terminou o tour.


Foi fantastico ver leoes maritimos, pinguins, gaivotas e pelicanos no seu habitat natural, em liberdade. Aprendi que o Peru ganha dinheiro a exportar excrementos de pelicanos, ja que estes tem nutrientes que fazem com que sejam optimos para cultivar a terra. Aprendi que os pinguins so tem uma femea durante toda a vida e que se ela morre ficam sozinhos, ao contrario dos leoes maritimos que tem arens de 15 a 20 femeas e que chegam a matar os filhos machos para nao terem de partilhar com eles as suas parceiras. Foi tambem interessante estar pela primeira vez num deserto, com toda a sua imensidao e solidao. (e tu, es um leao ou um pinguim?)


O Silvio era um homem culto, ex professor universitario na Venezuela, que nunca se calou e tinha sempre coisas interessantes a ensinar. Aconselhou me a subir a um Vulcao em Arequipa, brincando que as vezes nesta altura do ano (e a chegada da Primavera no Peru) a terra, a semelhanca das pessoas, as vezes se agita. Mas logo avancou que seria ma sorte se eu apanhasse um temblor.


Mal sabia ele o que viria a acontecer. Pergunto me onde estarao, e se estarao vivos, todos aqueles com quem partilhei o dia em Pisco.


No dia em que a natureza me mostrou daquilo que tem de melhor e pior, nao deixaram de ser surpreendentes as pequenas decisoes e coincidencias que me ajudaram a fintar a morte. Anda no dia anterior, em que a minha pressa em chegar a Pisco fez com que, pela ultima das vezes, visse Paracas, ja que horas depois a terra haveria de tremer e levar consigo aquela maravilha da natureza. No dia 15, depois do tour e de volta ao Hostel, perguntei me se haveria de ficar mais uma noite em Pisco ou ir andando logo nesse dia para Ica. Depois de alguns minutos de hesitacao em frente a recepcionista, decidi apanhar o autocarro para Ica facto que provavelmente me salvou a vida, ja que 80% da cidade de Pisco ficou destruida. Eram 5 da tarde quando apanhei o autocarro da companhia Saki para ica e, cheio de sorte, me afastei de Pisco.


No autocarro para Ica, que tardou cerca de uma hora, uma mulher entrou e comecou a rezar. Rezava pelos muitos passageiros e condutores de autocarros que todos os anos morrem em viagens no Peru e agradecia a Deus a sua vida e a de todos, e cada dia que a vida lhe entregava. Parecia ter um fe enorme. Depois cantou duas cancoes e logo aceitou uns soles dizendo que ganhava assim a vida, a cantar, e que sofria de diabetes. Tambem dela nunca saberei noticias.


Cheguei a Ica eram seis da tarde, 50 minutos antes da terra tremer. Como nao tinha bateria na maquina e queria postar algumas fotografias no blog, apanhei um taxi para Huacachina mas pedi ao taxista que antes me levasse a uma loja de fotografia. A saida do taxi para entrar na loja, o cinto de seguranca encravou e, numa cena que ate foi engracada, tivemos cerca de cinco minutos para conseguir desbloquea lo. Entrei na loja e a lentidao dos processos fez com que me demorasse por uns 20 minutos. Eram 6 e 35 quando sai da loja. Vim a falar com o Willy, o taxista, e ele propos me um tour a umas bodegas de vinho e a uma fabrica de chocolate e sacou de um livrinho que carregava onde se encontravam comentarios de turistas que ja tinham feito o tour. Perguntou me se podia parar numa loja para comprar um chocolate para a sua mulher e os seus filhos e assim fizemos. Com tudo isto, eram 6 e 45 quando saimos do centro de Ica. Nao quero imaginar o que me teria acontecido se por alguma razao nos tivessemos demorado um pouco mais, ja que no centro de Ica as coisas foram bem piores devido ao panico das pessoas e ao maior numero de edificios.

Estavamos a caminho de Huacachina quando um muro desabou a menos de cinco metros do taxi, fazendo com que uma pedra embatesse no carro, e logo uma nuvem de po inundou o carro. Os rapidos reflexos do taxista evitaram males maiores. O meu coracao disparou. Nenhum de nos percebeu o que se estava a passar e, rindo me, perguntei lhe se isto era normal em Ica. Seguimos devagar durante uns metros ainda sem perceber o que estava a acontecer, ate que chegamos a um cruzamento onde a policia e outros carros nos acenaram agitadamente e nos mandaram sair do taxi. Foi ai que a terra comecou a tremer descontroladamente e a dancar aos nossos pes. O balancar do chao, que fazia com que mal me aguentasse em pe, fez me lembrar o baloicar do barco nessa manha em Pisco quando vinham umas ondas maiores. A impotencia que senti perante aquela forca da natureza e indescritivel . A forca do tremor fez me pensar que o chao se ia romper. Ja quase a chorar, agarrei me ao braco do Willy que me acalmou, tambem ele assustado, repetindo varias vezes que aquilo ja ia passar. Os carros a nossa volta baloicavam e um chegou mesmo a capotar enquanto que, ao longe, um poste de electrecidade caia. Foi a primeira vez na minha vida que achei que ia morrer. Quando a terra finalmente parou, nao sabia o que fazer. O Willy disse me que entrasse no taxi, que me ia levar a Huacachina e que la era mais seguro para mim, porque estavam la mais estrangeiros como eu e porque la nao haviam tantos edificios. Lembro me de pensar no que haveria de fazer, se ir com ele se ficar ali ao lado daquele carro da policia. Estavamos perto do Pacifico. Nao sabia se vinha a caminho um Tsunami. Em estado de panico, senti que cada decisao que tomasse a partir dali, me poderia salvar ou matar. Olhando para tras é estranho pensar na importancia de cada pequena coisa que foi acontecendo. Cada detalhe fez que com que estivesse aqui e nao la em cima. Perguntei me se seria possivel vir ai um segundo abalo ainda mais forte e as lagrimas de desespero quase me vieram aos olhos. A tremer, tentei acalmar me e disse ao Willy que ia com ele mas pedi lhe para ir devagar para se a terra recomecasse a tremer tivessemos tempo de sair do carro e procurar um sitio seguro. Huacachina ficava a menos de 2 minutos e pelo caminhos ouvimos pessoas a chorar, casas destruidas, carros capotados. Quase que chocamos contra um poste de electrecidade que estava caido no meio da estrada, mas os rapidos reflexos do Willy salvaram nos mais uma vez. Quando chegamos a Huacachina ja nao havia electricidade. Fomos a um hostel chamado, ironicamete, Casa de la Arena. Como o muro do patio tinha desabado o Willy, tambem ele muito assustado, disse me que ia levar me ao Casa de la Arena 2, porque era mais recente e tinha um patio enorme no meio. Ai me deixou e fez questao de falar com o Charlie e o Vicente, seus dois amigos que la trabalham , para me receberem. Entrei como um refugiado e ficarei eternamente grato aquele peruano por nao me ter deixado no meio da rua ao abandono. So depois de se certificar que me tinham deixado entrar, partiu de novo para saber se a sua familia estava a salvo. No hostel encontrei desesperos ainda maiores que o meu, mas encontrei tambem pessoas que nos animaram tremendamente. Frases como " amanha vai estar tudo bem e vamos fazer sandboard" ou "ja passou, tens uma historia para contar aos netos" vao nos tranquilizando. O pior e quando pensamos no que pode vir a seguir.

Fizemos uma fogueira enorme no meio do patio e juntamo nos em redor dela enquanto alguns tocavam viola e cantavam. Recordo me de olhar a volta e pensar no que fazer se a terra voltasse a tremer. A inquietacao que senti foi gigantesca. O tempo foi passando e fomos esquecendo o que se tinha passado. Mas rapidamente vieram as replicas. Antes de estar num epicentro de um terramoto, as replicas para mim eram insignificantes. Que importava? Ja tinha sido o grande abalo, um tremor pequeno nao ia fazer dano. Quando estas ali, quando sentiste a terra abanar, cada replica e como se fosse um novo tremor de terra. Um novo 7.9. Sempre que houve novas ondas, levanta mo nos em sobressalto e pusemo nos alerta. Logo o coracao disparava e voltava a sensacao de impotencia. Olhei tambem em volta e ao ver as dunas pus me a pensar se seria possivel que desabassem, afogando nos em terra.



Nao dormi toda a noite. A inquietacao e o frio assim o ditaram. Quando a noite se pos e chegaram as 4 da manha o frio tornou se insuportavel. Mesmo com a fogueira e com as mantas que nos deram, era impossivel nao tremer. Fiquei toda a noite a conversa com o Charlie e o Vicente e tambem com a mae e o filho, Tatiana e Diego, que no dia seguinte me haveriam de dar boleia para Lima.

Foi especialmente doloroso ver a dor dos peruanos que nao sabiam se a sua familia estava a salvo e pensar no que a minha familia, namorada e amigos poderiam estar a passar em Portugal se ja soubessem da noticia. Era suposto eu estar em Pisco, o epicentro da desgraca, ja se tinham passado sete horas, tinha o telefone desligado e sem bateria e nao havia maneira de comunicar com ninguem. Imaginei o quanto poderiam estar a sofrer. Ainda sem saber se isso era verdade, queria avisa los que estava a salvo. Felizmente so souberam da noticia no dia seguitne de manha e passados 10 minutos consegui que um Isrealita telefonasse para Portugal. O telefone do Hostel so recebia chamadas e numa das vezes em que tocou corri a atende lo. Era um israelista a querer saber do seu filho, que nao la estava. Pedi lhe para telefonar para o meu pai a avisar que eu estava bem e, conforme vim a saber mais tarde, assim fez. Foi tambem alarmante ouvir as noticias na RPP - radio programas del peru - sobre pilhagens e violencia em Ica. Estavamos num centro turistico a 5kms e Ica e ai se encontrava muita plata. Felizmente ninguem apareceu.

O amanhecer em Huacachina trouxe ainda mais frio e trouxe tambem o dia seguinte, em que sofri tanto com o no dia do terramoto.
Depois de ja ter falado com os meus pais e com a joana e de ja ter sabido que a Matilde, a Mariana e o Pinto estavam bem em Lima, pos se a questao de que passo dar a seguir.
Comecei a pensar nos efeitos colaterais que uma catastrofe desta carrega. Sao pessoas sem casa, sem electricidade, sem comida e sem agua, prontas a agir irracionalmente a qualquer momento. Decidi ir com a Tatiana e com o Diego para Lima. SAbia que a estrada estava em pessimas condicoes e que iriamos apanhar enormes filas de transito. Mas fui. Queria chegar a Lima onde tinha um hostel familiar e os meus amigos a minha espera. Ai tinha tambem a minha mochila e o meu voo para Arequipa onde tudo estava mais tranquilo. Fui com eles visitar uma obra que estavam a construir e tudo estava de pe. Fez me perceber que os edificios que ficaram destruidos cairam porque sao mal construidos.

Estivemos 6 horas para fazer 3 quilometros. Nos quilometros de estrada danificada, vimos fendas de 1 metro de largura e outras com um metro de profundidade. Os carros passavam um a um e viamos pessoas constantemente a ir e a vir dos dois lados da estrada. Vimos tambem imagens de sofrimento de destruicao a toda a hora.AS pessoas vinham carregadas de agua e de alimentos. Basicamente, assustadas com o que podesse vir a seguir, estavam a armazenar o maximo que podiam. Na radio noticias terriveis de pessoas com tres familiares mortos a porta de casa que ainda nao haviam sido recolhidos, de maes a carregar os filhos mortos as costas e tambem de noticias fantasticas, como a de um homem que foi encontrado vivo nos escombros, 12 horas depois. A noticia que mais me assustou foi a fuga de cerca de 600 prisioneiros considerados muito perigosos da prisao de Chinca, que fica mais ou menos 20 kms a norte de Pisco. Sempre que olhava para o relogio e para o deposito de gasolina, tinha medo que chegasse a noite sem que conseguissemos passar a fila. Chegamos a ponderar voltar para Huachina onde ao menos tinhamos uma base. Ali, no meio da fila e com a noite a por se, nunca nos sentimos a salvo. O desespero das pessoas faz com que facam coisas que normalmente nao fariam. Vi carros a passar a altas velocidades em estradas que estavam altamente danificadas e que podiam, a qualquer toque, desabar ainda mais. Tive medo de voltar a Ica e de nao chegar a Lima. Foi tambem duro estar numa ponte semi destruida durante cinco minutos, em que autocarros cheios de toneladas testavam a sua consistencia.

Finalmente passamos esta parte ma. Ja seguiamos caminho a boa velocidade e o pior ja tinha passado. Estavamos, finalmente, a salvo. Cheguei a Lima as 11 da noite, e nao dormia desde as 6 da manha do outro dia. Fiquei 45 horas sem dormir e a comer e beber pouco. Entrei no hostel e ja la estavam os meus amigos. Estava esgotado e electrico ao mesmo tempo. Fui dormir e hoje la acordei descansado e com uma sensacao de conforto. Hoje fui almocar com a familia que me ajudou a chegar a Lima e comemos peixe e marisco locais, e um cheviche, e festejamos o facto de estarmos vivos. PAssamos por aquilo tudo juntos e fomo nos animando uns aos outros, fazendo uma boa equipa.

Penso em todos os pormenores que me salvaram a vida. Todos os se`s. O cinco ter encravado antes do terramoto e nao depois. Ter saido de Pisco. TEr ido com o Willy. Ter me posto a estrada com o Diego e a Tatiana. Agora as coisas estao piores por la. Nao ha comida, nao ha agua, nao ha luz e a tensao aumenta. Um pais destes, depois de um evento deste tipo, esta sempre em estado de sitio: e como um barril de polvora pronto a explodir. Espero que aproveitem as ajudas que certamente terao para construirem melhores e mais seguras habitacoes. Espero que nao sofram tanto por muito tempo. Percebi como e importante a comunicacao nestas alturas. Ha que transmitir serenidade. Precisamos de sentir que esta tudo bem, ou o desespero toma conta de nos. Depois de ter medo da natureza tive medo do homem.

Espero que todos os que nao sei onde estao, estejam. Vivos. Folgo em estar e sigo, como sempre, rumo a Buenos Aires com uma historia para contar aos netos.
Vivi, em primeira mao, a desgraca deste pais e dos peruanos. Pelo povo que sao, genuinamente bons, merecem melhor sorte. Vivi, em primeirao mao, um terramoto e espero nao ter de passar por isso novamente. Vou, como tinha previsto, gozar a noite de Barranco, mas agora tambem para celebrar a minha vida, lembrando em silencio os que nao viveram para conta la.

Take a look around (Lima)






Vista do Autocarro



Jardineiro em Lima



Transito em Lima





Plaza de las Armas



Vendedora ambulante




O tipico minibus



Vista de Miraflores



Mercado dos Indios



Vendedora peruana




Parque da Cultura




Regras da casa

terça-feira, 14 de agosto de 2007

Neste outro mundo

À imagem de Lima, o meu dia hoje foi um frenesim. Acordei às 8 da manha, tomei o pequeno almoco (e so agora me apercebo que essa foi a minha unica refeicao do dia) na companhia de outros viajantes e apanhei um minibus até Miraflores, levado pelo objectivo de pagar o voo que encontrei entre Lima e Arequipa. Assim o fiz. Na noite anterior tinham telefonado para o The Point a pedir que eu enviasse por fax uma fotocopia do meu passaporte, isto enquanto eu jantava em casa do Hector. Fi-lo e telefonei para o numero que me deram, mas sem resposta. Fui ligando sempre que surgia a oportunidade. Mas sempre sem efeito.

Estive neste impasse até as duas da tarde, sempre na expectativa de conseguir falar com a Iberia e alcancar finalmente a minha bagagem, altura em que, cansado de esperar e decidido a agarrar o boi pelos cornos, me meti num taxi e fui eu proprio ao aeroporto. Tinha almocado com o Neil e o Luke, dois backpackers australianos que escolheram instalar se em Lima por mais que um par de dias e assim comecaram a trabalhar no hostel em troca de alojamento e comida, o que ja fazem ha cerca de um mes.

Foi quando me meti no taxi que se descontrolou o rodopio do meu dia. A caminho do aeroporto meti na cabeca que depois de buscar o que ha muito me deveria ter sido entregue, iria ao hostel transferir o que me iria ser necessario nos proximos dias para a minha mochila pequena, e seguir para agencia Suyos para apanhar o autocarro ate Pisco. É em Pisco que estou agora, enquanto recordo o dia passado, desde as duas da tarde quase sempre sentado entre um taxi e um autocarro, e vejo na televisao peruana noticias sobre a liga dos campeos e a vitoria do Benfica.

Foi o Victor, um peruano que divide o seu ano entre as pescas em Pisco e as corridas de taxi em Lima, que me levou ate ao aeroporto, depois de volta ate ao hostel, e finalmente do hostel ate ao terminal de autocarros. Esteve quase tres horas comigo, ora esperando por mim a porta do aeroporto e do hostel, ora enfiados os dois nas complicadas estradas da capital peruana. Fiz um pacto com ele e consegui poupar alguns soles. O que supostamente me iria sair por 100 soles (se fizesse cada trajecto separadamente), sugeri que ele mo fizesse a 75, ao que ele aceitou. Era bom para ambos. A ele fazia-lhe o dia, a mim, poupava me tempo, que ja nao tinha. Acabamos por ir sempre a conversar e senti uma empatia tao grande por ele que acabei por dar lhe nao 75, nao 100, mas 110 soles. Prontamente disse que nao, que tinhamos concordado 75, e insisti, explicando lhe que aqueles 35 soles a mim nem me pagavam um jantar em Lisboa, enquanto para ele eram bom dinheiro. Alem de que era um bom premio pela paciencia que teve no percurso todo e pelo muito que me ensinou, sem sequer ter dado por isso.


Quem diz que nao viu miseria em Lima, viu pouco. Foi esse o meu caso. A cidade e tao grande, que pensei que o muito que ja tinha visto era uma boa amostra para toda a cidade. Enganei me grotescamente. Nas voltas que dei hoje pela cidade, e à saida de Lima, ja de autocarro, fui confrontado com favelas gigantescas. Foi especialmente angustiante mergulhar nas periferias de Lima, em direccao a Pisco. Contei, sem exagero, meia hora de caminho em que o cenario para que olhava nunca deixou de ser identico aquilo que nos estamos habituados a chamar favela, enquanto os peruanos a meu lado assistiam ao Pirata das Caraibas nos ecrans do autocarro, demasiado acostumados aquela realidade que a mim tanto me impressionou.
Durante as restantes 4 horas de viagem, nunca deixei de pensar sobre o que tinha acabado de ver, enquanto o shuffle do meu ipod se comportava como poucos na seleccao musical, mas por outro lado me lembrava das coisas que as vezes tanto precisamos em portugal e que, perante aquele cenario, claramente deixavam de ter importancia.


Ontem fui recebido como um rei em casa do Hector. Jantei com ele e os dois irmaos, e tambem com um amigo que, apesar de Peruano, vive na Holanda ha 15 anos. Foi em Tilburg que se conheceram.
Conversamos sobre variadissimos temas, contaram me historias sobre assaltos em Lima que preferia nao ter ouvido, serviram me um licor tipico limeño e jantamos as delicias peruanas que a mami dedicadamente preparou. Foi bom ter tido a oportunidade de ter sido recebido em casa de uma familia peruana, o que me ajudou a perceber um pouco melhor a dinamica da cidade e o crescimento louco que a mesma sofreu durante o ultimo seculo.
Alem de tudo isto, obrigaram me a vestir umas meias por causa do frio e deram me mais dicas sobre o peru.
Muito agradecido, voltei de taxi para o hostel, onde antes de ir dormir me disseram que tinha de enviar o fax para a Iberia.

O The Point foi, sem duvida alguma, o hostel onde mais gostei de ter ficado ate hoje nas minhas viagens. Como nao e muito grande, rapidamente se fica a conhecer todo o staff do hostel e todos os hospedes, especialmente no meu caso visto que falei sempre muito com eles por causa da bagagem perdida. Quando me viram chegar de mochila as costas fizeram uma festa enorme e ja todos sabiam o meu nome, e eu o deles. À maneira como fui recebido ajudou o facto de ter dito que vinha da parte do Boris, um portugues que la trabalhou durante 4 meses e ficou conhecido como The Animal, va se la saber porque, e uma autencia lenda viva daquele hostel. Existem dois tipos de pessoas a trabalhar no hostel sem ser o Franz, o gerente: os peruanos que sao os que la trabalham ha mais tempo e ainda do tempo do Boris (que ja la deixou de trabalhar ha dois anos se nao me engano), e os backpackers que, talvez por se apegarem a hospitalidade e ao clima do hostel, decidem ficar ai a trabalhar em troca de alojamento, e é ai que se tornam backployees. E o caso dos australianos. À saida, ficou a promessa que voltava na noite de 17, uma sexta feira, para me despedir deles e para irmos todos curtir a juerga de Barranco ate de madrugada.


Ja com um peso nas palpebras me despeco, visto que amanha acordo as 6 e 30 para fazer um tour pelas Islas Ballestas e pela Reserva Natural de Paracas. Anseio por um ceu azul, que me faca desanuviar das imagens cinzentas que vi a saida de Lima e aproveitar da melhor maneira as paisagens que amanha me esperam.
Depois sigo para Huacachina, um oasis no meio das dunas, onde irei, entre outras coisas, fazer sandboard e descansar. Volto dia 17 para Lima, onde conto conseguir postar fotografias no blog, ter a primeira grande noite de farra e acordar a tempo do voo para Arequipa no dia seguinte, dia em que me juntarei aos meus companheiros de viagem, a quem decidi fazer uma surpresa: à chegada ao hostel irao ter tres coronas fresquinhas a sua espera! Por minha conta, é claro.

P.S - É verdade que nao custa muito ser generoso quando transaccionamos em soles mas, mesmo assim, fica a ideia e o gesto.

Some planning

O plano é ir a Paracas, depois seguir para Ica, e finalmente voltar a Lima dia 17 para apanhar um voo até Arequipa que encontrei ontem a um optimo preco (60 usd). Depois virao Cusco e Machu Picchu e terei de me despedir do Peru!

segunda-feira, 13 de agosto de 2007

Lima

Eram sete da manha quando a luz do dia me acordou e eu, convencendo-me que ja nao ia conseguir dormir mais e sabendo que o melhor a fazer era aproveitar o dia, saltei da cama e vesti-me. Ao sair, cruzei-me com dois ingleses com quem tinha jantado na noite anterior, vindos da pelos vistos animada noite de Barranco. Como sempre, nao aproveitei o pequeno almoco mas desta vez porque era demasiado cedo.

Lima amanheceu em tons de cinzento e assim permaneceu durante o resto do dia, como aliás é hábito nesta altura do ano, com as capas dos jornais diarios a destacarem, sem excepcao, a estreia do Pizarro pelo Chelsea. Depois de ter dado umas voltas por Barranco, segui de autocarro para Miraflores, outro bairro turistico, e mais tarde outra vez de autocarro para "Central Lima", onde almocei num restaurante peruano muito antigo chamado Queirolo, perto da "Plaza de las Armas", o marques ca do sitio (aconselho vivamente para quem precisar de matar a fome, mesmo com boa comida as doses sao industriais, por 12 soles está claro). Só para dar uma ideia da dimensao desta cidade, "Central Lima", que como o nome indica é o centro (também ele enorme) da cidade, fica a 11 kms de Barranco e a 7 de Miraflores. E eles sao uma especie de bairros da "Metropolitan Lima". Foi por ai que deambulei durante todo o dia e me dediquei a tentar compreender melhor esta caotica cidade. So para terem uma ideia, devo ter andado mais hoje por Lima que o meu manito Sampaio durante o seu Erasmus todo por Barcelona, nao que isso seja grande coisa mas sim porque sempre que surge a oportunidade nao consigo deixar de fazer pouco dele.


Nestes tres bairros encontrei policias e segurancas a cada esquina e sao tantas as pessoas que circulam nas ruas que nem por um momento me senti inseguro. A unica vez que “sai do mapa”, esse sentimento de seguranca desapareceu imediatamente. A medida que andava em direccao a agencia onde me ia informar sobre o transporte para Pisco, ia vendo cada vez menos pessoas, mas mais pessoas com ar de quem quer roubar um gringo. Procurei o primeiro sitio de confianca que encontrei, e entrei. Era um banco e o seguranca aconselhou me a apanhar um taxi, ja que para chegar ao meu destino tinha de atravessar o bairro “La Victoria” onde, segundo ele, seria assaltado sem sombra de duvida. Assim fiz. A descrepancia de policiamento e de movimento é tao grande que facilmente se percebe os Do´s e os Dont´s desta cidade.
Informar me sobre a viagem para Pisco foi a ultima coisa que fiz antes de voltar ao Hostel, onde cheguei ja eram 4 da tarde para descansar e tomar um bem merecido duche quente.

Lima nao e uma cidade bonita físicamente, alias, nunca estive numa cidade tao feia mas sem duvida que lhe encontrei encanto e um outro tipo de beleza, vindo da alma, e nao do corpo. Admirei os parques e sobretudo os mercados da cidade onde basicamente se vende de tudo e claro, a bons precos. Gostei também dos Peruanos. Sao um povo simpatico, sempre dispostos a ajudar e a dar indicacoes e também a vender-nos os seus mais variados servicos: de taxis, minibuses, restaurantes, lojas de internet e de chamadas, quiosques que vendem doces, salgados e bebidas, engraxadores de sapatos, agencias de cambio, chovem-nos a toda a hora convites simpaticos e sorridentes, na esperanca que ai gastemos alguns soles. Encontrei também no frenezim e caos permanente das estradas um certo encanto, com raizes de capital sul americana.

Nas estradas o vai e vem de taxis e minibuses e constante. E indescritivel a quantidade de carros que circula nesta cidade. É por culpa deles que temos sempre a sensacao de estar com um tubo de escape a cuspir-nos gases para as narinas. É também gracas aos carros que rapidamente nos habituamos ao som das buzinas. É uma das muitas constantes desta cidade.

A insegurança que em Lisboa achei que ia encontrar quase sempre em Lima, só a encontrei quando sai do mapa e sempre que andei de minibus. Sem duvida que o perigo é eminente, tanto por culpa do transito frenetico como pela idade e o estado de saude dos veiculos - dos milhares e milhares de carros que por mim passaram, os mais modernos (e ainda assim escassos) nao tinham menos de tres anos. Foi neste contexto que li nas costas de alguns autocarros a frase "Jesus en ti confio". Nao admira.

Apesar de raras vezes ter encontrado miséria, encontrei muitas vezes vidas dificies. Muitos Limeños estao no desemprego e dos que nao estao, nota-se que muitos tem trabalhos precarios e vivem numa base de chapa ganha, chapa gasta. Parecem depender da sorte que lhes reserva o decorrer de cada dia. À conversa com um taxista, fiquei a saber que ele ganhava 30 soles por dia. 30 soles sao menos de 10 dolares. Sao menos de 8 euros. E trabalhava durante todo o dia, alem de se deslocar uma hora e meia todos os dias para ir trabalhar. Ao ir tomando conhecimento de estas e de outras realidades, torna se impossivel nao dar gorjetas. O que para mim nao e nada, a eles faz-lhes toda a diferenca.

Hoje a noite vou jantar com um limeño, o Hector, amigo da Ines Black, que simpaticamente me convidou a jantar em sua casa e que sempre me ajudou e respondeu as minhas inquietacoes sobre a viagem. Conheceram se em Tilburgo durante os seus Erasmus mas agora a sua amizade esta inevitavelmente separada por um Oceano e por vidas diferentes mas unida pelas memorias dos bons tempos passados, enquanto espera pacientemente por um eventual encontro, um dia. Sao assim as amizades "erasmus". Ingratas em certa medida.

O hostel e um espectaculo. Como sempre, e uma especie de territorio neutro internacional. Num hostel como este, e claramente indiferente se estamos em Lima, Lisboa ou Pequim. O clima e o mesmo: conversas e cervejas partilhadas e irrepetiveis com pessoas que, como nos, tem gosto em conhecer um pouco mais do mundo. Ainda assim, este Hostel distingue se pelos convivios que proporciona, como por exemplo, jantares todas as noites no Bar, torneios de Ping Pong e snooker, e ainda passam filmes na sala de estar. Quer pelo conforto, quer pelo ambiente, quer pela localizacao, aconselho claramente a quem vier a Lima,

Confiando que as minhas malas chegam hoje, parto sigo para Pisco onde me vou passear por uma reserva natural, o Parque Nacional de Paracas.
Mas como dizia um slogan do bes há uns tempos, é óbvio que tenho um Plano B: se as malas teimarem em nao aparecer amanha vou com o Hector conhecer outras zonas menos turisticas de Lima, mas desta vez em seguranca, e também a umas ruinas incas que ficam a cerca de uma hora de Lima.

Na minha ainda ignorancia como viajante pela america do sul, saio com a sensacao que Lima foi o ponto de partida perfeito para esta viagem.
Com a notoria sensacao que escrevi demasiado, mas ainda com tanto por dizer, um hasta luego

domingo, 12 de agosto de 2007

Chegado a Lima

Mais de 9000 quilometros (de mar e de terra) e 15 horas depois, cá estou em Lima, mais precisamente em Barranco, sentado no pátio do Hostel The Point, em frente ao computador, enquanto bebo a Corona mais barata da minha vida e espero pelo jantar, que hoje e um churrasco que me vai custar menos de 2 euros.

As circunstancias prometiam uma chegada facil. Para evitar grandes aventuras logo ao principio, e como chegava ja quase de noite, marquei um Hostel para a primeira noite e pedi o servico de pick up ao aeroporto.
Sai do aviao em Lima com um sorriso na cara, afinal a aterragem tinha corrido bem e ja tinham passado as 15 horas de voos e esperas, tinha um tal de Henrique a minha espera a saida e ainda por cima tinha recebido mensagens de alguns amigos mais atenciosos a desejar me uma boa viagem (obrigado!).

A chegada tranquila, acabou por nao ser bem assim. Chegado a Lima, nem Bagagem, nem Henrique. Sabem aquele nervoso miudinho, de quem esta sempre a ver se é desta que chega a nossa mala? Esse nervoso miudinho so parou quando me avisaram que ja nao ia chegar mais nada. Uns minutos de espera depois e lá me disseram que, pelo menos, sabiam onde estava a minha mochila. Em Madrid. Garantiram-me que chega amanha e que a trazem ao meu hostel. Se sim ou se nao, e algo que eu ainda nao posso responder.
Acabei por vir parar ao Hostel num Taxi oficial, conduzido por um peruano simpatico, com quem vim a conversar durante os 40 minutos de viagem.

Já horas antes, à conversa com um portugues entre Lisboa e Madrid, enquanto viamos a nossa bagagem entrar no aviao, concordamos que nao gostavamos nada de transfers. Espero que ele tenha tido melhor sorte na chegada à cidade do Mexico.

Assim cheguei eu a Lima, de calcas de Ganga, de havaianas e de t shirt, e nao fosse uma camisola que dois canadianos prontamente me emprestaram depois de 2 minutos de conversa, estaria aqui a gelar.

Terei agora a primeira refeicao em terras peruanas, num hostel acolhedor e com bom ambiente.

Amanha parto a desocerta desta cidade onde habitam 9 milhoes de almas.